quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Com Uruguai, América do Sul vê caminho para legalização da maconha

Fonte: IG

Para iniciativa que visa acabar com traficantes de droga através de regulamentação e impostos, no entanto, país teria de produzir 5 mil quilogramas por mês

O Uruguai produz produtos como arroz, soja e trigo. Em breve, no entanto, pode ser que o governo comece a cultivar algo um pouco mais complicado: a maconha, dentro de um movimento crescente na região em busca de alternativas para guerra contra as drogas dos Estados Unidos.

Maconha: Uruguai propõe controle estatal sobre produção e distribuição

O presidente uruguaio e ex-guerrilheiro pediu inicialmente a "legalização regulamentada e controlada da maconha" em um plano de segurança divulgado no mês passado. E agora o assunto mais falado no país são os possíveis impactos de um mercado formal para aquela que Ronald Reagan certa vez descreveu como "provavelmente a droga mais perigosa da América".

"É uma mudança bastante diferente na abordagem do assunto”, disse Sebastian Sabini, um dos legisladores que trabalharam na controversa proposta revelada pelo presidente José Mujica no dia 20 de junho. "Queremos separar o mercado: os usuários de maconha dos traficantes e usuários de outras drogas como a heroína."

Na América Latina, líderes chocados com a propagação da violência das drogas estão ponderando políticas que talvez nunca teriam sido consideradas anteriormente.

As legislações brasileiras e argentinas acreditam que descriminalizar tudo, desde a heroína, cocaína e a maconha poderia ser a melhor maneira de permitir que a polícia possa se concentrar nos traficantes em vez de viciados.

O Uruguai levou essa experimentação para um outro patamar. As autoridades da ONU disseram que nenhum outro país considerou seriamente a criação de um monopólio legal completamente administrado pelo Estado para a maconha ou qualquer outra substância proibida pela Convenção Única das Nações Unidas sobre Narcóticos de 1961.

Indústria estatal

A decisão pode tornar o Uruguai na primeira república da maconha do mundo - ultrapassando a Holanda, que oficialmente ignora as vendas de maconha e seu uso desde 1976, e Portugal, que aboliu todas as sanções penais para o uso de drogas em 2001. Em Montevidéu, no entanto, a ideia é que uma indústria estatal possa emergir dessa questão, criada por burocratas do governo convencidos de que a oposição à maconha é um conceito simplesmente desatualizado.

Mas largar o hábito proibicionista, ao contrário do que parece, não é uma tarefa fácil. Mesmo em um país pequeno, com uma população total de 3,3 milhões de habitantes, a proposta do presidente ainda enfrenta bastante oposição. Médicos, rivais políticos, usuários de maconha e oficiais de segurança, todos demonstraram preocupação sobre como a maconha seria administrada e se a legalização, ou algo próximo a ela, poderia piorar o problema do vício e do crime no Uruguai.

Mujica, 78 anos, ex-guerrilheiro boêmio que dirige um fusca ano 81, parece estar surpreso com a reação. Ele disse este mês que se a maioria dos uruguaios não compreender o valor da legalização, ele suspenderia seu plano e tentaria resolver os detalhes e conquistar mais apoio público. Mas esse é um líder rebelde que passou mais de uma década na cadeia como preso político. Por isso mesmo, à medida que discutia o adiamento, ele sinalizava que talvez não estaria disposto a desistir, enfatizando que os usuários de drogas "estão escravizados por um mercado ilegal."

"Eles acabam optando pelo mundo do crime pois não têm dinheiro", disse. "E eles se tornam traficantes porque não têm outros meios financeiros para satisfazer seu vício."

Seu governo, que tem uma pequena maioria no Parlamento, está seguindo em frente. Um dos conselheiros do presidente, disse neste mês que a legislação proposta seria apresentada dentro de algumas semanas e que Júlio Calzada, secretário-geral do Comitê Nacional de Combate a Drogas do Uruguai, e muitos outros estavam trabalhando sem parar. Sua mesa estava coberta com bilhetes sobre mercados locais de drogas. Um tecnocrata de cabelos longos e finos como o de um velho roqueiro, ele disse estar bastante ocupado tentando calcular quanta maconha o Uruguai deveria plantar para acabar com os negócios dos traficantes. Ele concluiu que, com cerca de 70 mil usuários, o país precisa produzir pelo menos 5 mil quilos por mês. "Temos de garantir que todos os nossos usuários irão obter um produto de qualidade", disse.

Ele acrescentou que a segurança seria outro desafio. Os cartéis de drogas protegem seu produto ao escondê-lo com a presente ameaça de violência. Autoridades uruguaias, incluindo Sebastian Sabini - um dos vários legisladores que abertamente admitem fumar maconha -, são a favor de uma abordagem mais humana. Eles acreditam que seja interessante deixar os fumantes cultivarem sua maconha para uso próprio e sem intuito comercial, enquanto os agricultores profissionais poderiam fornecer o resto através de seu cultivo em pequenas parcelas de terras que poderiam ser facilmente protegidas.

O governo também exigiria que os usuários se registrassem com cartões de uso para evitar que a lei seja usufruída por estrangeiros - uma ideia influenciada por uma nova política na Holanda, que restringe a venda de maconha para os moradores do país - e para controlar e limitar as compras dos uruguaios (a talvez 40 cigarros de maconha por mês, segundo autoridades). Finalmente, haveriam sistemas criados para regular os níveis de THC, o ingrediente ativo da maconha, e impostos seriam cobrados sobre os produtores, contando para a aplicação com ajuda das agências reguladoras de tabaco, álcool e produtos farmacêuticos.

Muitos na comunidade de tratamento da toxicodependência têm suas dúvidas. "Você nunca se livrará do mercado negro", disse Pablo Rossi, diretor da Fundação Manantiales, que administra vários centros de tratamento em Montevidéu.

Mas o usuário e traficante Gabriel, disse que os grandes traficantes, inevitavelmente, iriam se adaptar a esse mercado. A questão é: para o bem ou para o mal? Talvez eles começariam a vender a cocaína mais barata, disse ele, causando maiores problemas. Ou talvez seus negócios acabariam de vez. Por agora, pelo menos, a maioria deles parece ter medo da mudança: ele disse que um quilo de maconha custa, que hoje cerca de US$ 470 no Uruguai, costumava ser US$ 375 antes da proposta de legalização ter sido anunciada.

"Estão tentando ganhar o máximo de dinheiro possível", disse Gabriel."Eles acreditam que a legalização é iminente."

*Por Damien Cave

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